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"As Variações Bradshaw" tem a combinação perfeita para me irritar (Resenha)

Atualizado: 21 de ago. de 2021



“Esse livro deve funcionar para alguém. Essa pessoa não sou eu”. Com essa anotação concisa eu finalizei minha leitura de “As Variações Bradshaw”, da inglesa Rachel Cusk. Traduzir em palavras o porquê de não ter gostado de um livro nem sempre é fácil, e tanto durante quanto após a leitura eu fiquei com aquela sensação de não conseguir definir exatamente o que não estava me agradando nele.


Primeiramente, a impressão geral que a obra deixou em mim foi de não ter uma razão de ser. Mas livros precisam ter uma razão de ser? Eu pessoalmente acho que não, nem sempre. Ainda assim, não conseguia sentir que a experiência tivesse me acrescentado algo (além da prova de resiliência que foi terminar a leitura!).


A segunda questão envolve o enredo em si: Tonie Bradshaw recebeu uma oferta de promoção no trabalho, e seu marido, Thomas, aparentemente já entediado com o próprio emprego, prontamente aceita trocar de função com a esposa e cuidar da casa e da filha dos dois enquanto ela trabalha em tempo integral. Com uma proposta tão interessante, talvez eu tenha ido com muita sede ao pote, mas o fato é que esperava um debate maior em relação às questões de gênero, uma promessa que emerge em alguns momentos, mas nunca realmente se cumpre.


A obra é uma grande divagação que viaja entre as mentes não só do casal citado, mas de suas famílias: os pais de Thomas, as famílias de seus irmãos, os pais de Tonie, todos aparecem em algum momento. Aqui há duas coisas também interessantes. Uma delas é que eu não acho que um personagem precise ser “gostável” para que seja um bom personagem, mas nesse livro absolutamente todos me irritavam profundamente, e isso prejudicou demais a leitura. O fato é que todos são sempre extremamente antipáticos, egoístas, autocentrados e passam a obra inteira sofrendo com problemas típicos de pessoas burguesas europeias em crise de meia idade.


Aqui entra a outra coisa que me incomodou: eu não costumo julgar os sofrimentos alheios, sou do tipo de pessoa que acredita que dor é dor, e aquilo que parece bobagem para mim pode ser algo sério para outra pessoa. Mas nem isso conseguiu me fazer empatizar com nenhum dos personagens, talvez porque suas motivações para reclamar fossem sempre tão idiotas e mesquinhas que eu só conseguia revirar os olhos.


A autora até escreve bem e traz algumas tiradas interessantes, mas a narrativa inteira parece desconexa, dividida em recortes de momentos da vida de cada família, às vezes separadamente, às vezes reunida. Eu sei que corro o risco de me repetir, mas normalmente eu acho interessante ter narrativas abertas, que deixam ao leitor a possibilidade de complementá-las, e, claro, toda obra é apenas um recorte, independentemente de seu enredo ter um arco bem fechado ou não. Porém, até isso no livro me incomodou, pois reforça a impressão de que não há muito um para quê em tudo aquilo que foi escrito (pobres árvores derrubadas por nada!).


Em um artigo do The New Republic, vi que a autora “condena ficção tradicional como falsa e embaraçosa”. Achei interessante a consideração dela, já que a linguagem muito poética que utiliza soou justamente assim para mim. Em geral eu não sou muito fã de obras extremamente reflexivas, mas quando estas reflexões acontecem nos momentos mais cotidianos e comuns, tirando significados profundos da compra de um casaco novo ou de uma ida ao museu, isso me deixa profundamente irritada. Eu sou prática demais para tentar ficar buscando o sentido da vida na cor de um casaco. O pior foram os momentos narrados pela filha de Tonie e Thomas, Alexa. Mesmo na narrativa em terceira pessoa, eu espero que os termos e pensamentos expressos ao narrar uma criança sejam condizentes com sua idade. Aqui não apenas não são, como às vezes parecem que são quase forçados a ser.


O final da obra foi tão decepcionante quanto tudo mais. A impressão que fica é a de que a autora levantou uma temática de desconstrução de gênero apenas para “desdize-la”. Vi que ela recebeu duras críticas quando lançou uma de suas obras autobiográficas por discordar em ter que dividir a custódia dos filhos com o ex-marido, uma vez que é a mãe, e me parece que esse ponto de vista influenciou o fechamento de “As Variações Bradshaw”. Iniciei esperando feminismo e terminei com a sensação de que a mensagem foi altamente machista: cada um tem o seu lugar, e é melhor não mexer nisso.


Eu sempre deixo claro que minha resenha reflete minha opinião sobre a obra, e, como dito no começo, talvez ela funcione para alguém. Recomendo a resenha da @woodpriscila, se você quiser ver a opinião de alguém que amou.


Eu só gostei do cachorro, e ele merecia mais.



Título: As Variações Bradshaw

Autor(a/e): Rachel Cusk

Ano de publicação: 2009

Editora desta edição: Companhia das Letras

Tradução: Fernanda Abreu




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